sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

a/Amor (amor normal parte 1e2)




Voltava para casa após mais um dia de serviço, pelo menos era o que se acostumara a pensar, nem ela mesmo sabia se acreditava na forma como via sua vida, mas pensar assim a ajudava a viver. Viver? Não, há muito tempo ela já não vivia mais, acostumara-se a sobreviver, o que é bem diferente.

Nem sempre foi assim, lembrava-se, guardava memórias boas, acreditava que um dia havia sido amada, contudo a desilusão causada por esse quem sabe amor fora o que a levou a escolher um caminho o qual não sabia como sair. Talvez não seja que não soubesse, mas não tinha mais um motivo para sair.

Ganhava bem, morava sozinha, agora fisicamente sozinha, porém o sentimento que carregava é que sempre esteve assim, pagava suas contas, como qualquer pessoa normal, Normal, sempre odiou a palavra, quem a havia definido? Quem ligou sintaxe à semântica sem ao menos consultar ninguém? A única coisa que não tinha era amor. Amor, outra palavra, essa aprendera a odiar desde que flagrou o seu único se esfregando com outra que para ela, era a verdadeira prostituta. De qualquer forma isso não a interessava mais, vivia sem e/Eles, e não fazia questão de redescobri-los.

Na boate, era uma das meninas mais desejadas, talvez pela aparência jovem, ainda mais jovem do que de fato era. No começo chorava todos os dias desesperadamente ao pensar estar sendo usada por homens exatamente iguais ao que havia feito escolher aquela... Não chamava de vida, nem deveria, pensava em existência. Depois, retirou a culpa de si, de fato a culpa não era sua, passou a ser indiferente, e, às vezes, quase conseguia sorrir ao pensar na falsa liberdade que havia alcançado.

Sábado, mais um dia de trabalho, sabia que seria uma noite longa, viu de longe quando um rapaz jovem e bonito entrou, examinou-o, sim era o mesmo que estranhamente semana passada havia recusado todos os programas oferecidos, a pouca idade e a timidez do garoto faziam supor que ele não tinha nenhuma experiência, talvez até fosse virgem. Vá, disse Pérola, uma mulher por volta dos quarenta, ainda muito atraente a quem aprendera a admirar e talvez até gostar. Achou estranho, geralmente a “pouparia” no início da noite para oferecê-la aos clientes mais ricos e exigentes, velhos nojentos e antigos na casa, não perguntou, preferiu não pensar, foi. Instigou-o como a verdadeira profissional que era, percebeu que o rapaz tinha pressa, convidou-o e eles subiram para uma das suítes.

Fez as perguntas de sempre, os olhares provocantes de sempre, incrível como conseguira robotizar o aparente tão delicado processo da sedução, o rapaz não falou absolutamente nada, apenas a olhava, um olhar estranho que, se sua memória não falhava, era de apaixonado. Não! Esqueceu a idéia, teve até que balançar a cabeça, isso não existia, acabou-se por se decepcionar, seria só mais uma tranza com um menino virgem que provavelmente se arrependeria daquele dia para sempre.  

Começou a tirar a blusinha preta que mostrava a barriga, o rapaz fez um gesto que não, que parasse, ela estranhou, o que ele queria? Seria como uma mulher que gosta de ir bem devagar? Já havia explicado que, como jogar boliche, o serviço era cobrado por hora. A próxima ação foi ainda mais surpreendente, tirou do bolso de traz uma caderneta, ela quase gesticulou que o pagamento seria feito no fim pensando ser um talão de cheques. Apanhou também uma caneta e escreveu algo, mostrou as palavras “sou mudo”. E voltou a escrever, enquanto a moça tentava compreender o que estava acontecendo, porque ele havia se importado em dizer isso? Que diferença faria naquela situação? Sentia pena e compaixão, supôs que deveria falar algo, mas o quase-homem foi mais rápido, dessa vez mostrou: “estou apaixonado por você”. Agora ela era quem ficava muda. Apaixonado?! Não havia o menor sentido! Quantas vezes ele havia estado no bar? Quantas vezes olhado para ela? Como poderia se apaixonar por uma garota de programas? Milhares de perguntas passaram em sua mente até que ele fez um convite no papel. “Ambos queremos voltar a VIVER, por favor, aceite”.

Quem era aquele homem? Qual era sua história? Por que ele, assim como ela, deixara de viver? E além de tudo isso; seria amada novamente? Ou quem sabe pela primeira vez? Não fazia a menor idéia, mas estava certa de que, mais do que querer, precisava saber todas as respostas, tinha direito de descobri-las. E foram todas essas perguntas, e o desejo por todas as suas respostas que a fizeram sair dali com ele, sob os olhares estranhos de todos, sob berros que voavam sobre seus ombros. Em uma noite, aquele menino que ainda mal poderia ser chamado homem destruiu todo o castelo que ela havia construído, e ela, que há muito tempo esquecera-se do Amor agradeceu a Ele por isso.

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